No
vídeo, Vladimir Safatle fala de sua obra
Circuito dos Afetos , e investiga desdobramentos de suas idéias acerca de uma
ontologia do negativo, a qual sustentou em sua tese de doutorado
O
primeiro mostra que cínico é aquele que aprendeu a rir das normas: não importa
se estas se realizam de maneira invertida, para o cínico o que realmente
interessa é a promessa de gozo
imediato do neoliberalismo. Posteriormente, Grande Hotel Abismo aprofunda a investigação
sobre uma ontologia capaz de exercer uma pressão subtrativa e insiste no
potencial produtivo de experiências de indeterminação. Que afetos estão ligados
á produtividade do trabalho do negativo. Que afetos permitem a insurgência de
uma violência destruidora daquilo que nos faz estagnar em um circuito de
repetições intermináveis. Que afetos criam sujeitos? Estas são as perguntas
centrais de Circuito dos Afetos .
Para
pensá-las, Safatle retorna a Freud, particularmente ao desamparo freudiano.
Este é, de fato, um retorno, pois somente após incorporar sua tríade (Hegel,
Lacan e Adorno) nosso autor poderia ler Freud tal como, agora, propõe.
Diferentemente do medo ou da esperança, o desamparo não estão ligado a
projeções de determinados acontecimentos futuros. O desamparo se conecta a
situações as quais n‹o somos capazes de atribuir um sentido (ou, como prefere
Safatle, atribuir um predicado) ou a experiências que não sabemos como lidar.
No desamparo agimos sem saber em que lugar chegará. Mas, mesmo desamparados,
agimos. Movemo-nos, pois de algum modo devemos ter sido capazes de perceber que
estávamos presos a um circuito de repetições. Estranhamos isso - o desamparo,
nestes termos, articula ação do estranhamento ( Das Unheimlich ) freudiano.
Nosso autor escreve sobre uma política do impossível, isto é, sobre uma política
ligada a um ato que não este mais fundado nas possibilidades que nos são
disponibilizadas por uma ordem simbólica.
Trata-se de um ato que só poder adquirir sentido retroativamente. A partir de textos freudianos, Safatle
formula, ainda, um diagnostico acerca da hegemonia de certos afetos em nosso
modo de vida: sua leitura de Totem e tabu
expõe a forma atual de um circuito repetitivo de medo e culpa, conexo a
um lado social de base melancólica.
Em Totem
e tabu ,Freud conta a história de um pai primevo que possuía todas as mulheres
e tinha acesso a um gozo ilimitado. Os filhos se unem, matam o pai e, depois
disso, comem a sua carne. Ocorre que, desde o início, a relação com o pai era
ambivalente: os filhos não só odiavam, também o amavam. Foram, por isso,
apos
Resenhas
o parricídio, tomados por sentimentos de medo e de culpa. O banquete totêmico
mostra que, com o assassinato, o pai não fica para trás, ele é introjetado. e
desse modo que o supereu freudiano se forma. Poderíamos concluir como fazem
alguns, que o parricídio é um marco para a constituição de um lado horizontal
entre irmãos. Há quem diga que estaria a’ a base de uma sociedade democrática e
igualitária. Safatle mostra, todavia, que não é esta a história narrada em Totem
e tabu :
A morte do pai e sua introjeção melancólica
produz um fantasma. Nosso autor escreve que as democracias neoliberais são
sociedades de irmãos assombrados pelo fantasma do pai. Vivemos em tempos de neoliberalismo e de
injunção ao gozo, em vez do supereu repressivo da época de Freud, o supereu,
hoje, ordena: goze agora! Satisfaça-se imediatamente! Os irmãos se tornaram
indivíduos que competem entre si e buscam afirmar sua potencia (querem ser como
o pai); são, hoje, empresários de si mesmos. Para pensar a política no tempo
presente, devemos então, compreender que o lado entre indivíduos no
neoliberalismo se constitui melancolicamente. A centralidade desta idéia fica
clara na afirmação ao gênese do supereu
em Freud está alicerçada em uma analítica da melancolia (SAFATLE, 2015: 82) e
na passagem que a segue:
É possível
dizer que o poder nos melancolia e é dessa forma que ele nos submete. Essa é
sua verdadeira violência, muito mais do que os mecanismos clássicos de coerção
e dominação pela força, pois trata-se aqui de violência de uma regulação social
que leva o Eu a acusar a si mesmo em sua própria vulnerabilidade e a paralisar sua capacidade de ação
Tanto
o luto como a melancolia são processos ligados á perda de um objeto de forte
investimento libidinal. Na melancolia, entretanto, o trabalho de elaboração não
se realiza por completo. O objeto não é deixado para trás, ele permanece de um
modo bastante peculiar: é introjetado, ou seja, é ligado ao eu. Dessa maneira,
afetos como raiva e ressentimento por ter sido abandonado pelo objeto amado se
voltam contra o próprio sujeito. Na melancolia há um movimento pendular entre,
de um lado, auto-acusações e sentimento de impotência e, de outro, afirmações
obstinadas da potencia. Não é por acaso que indivíduos, empresários de si,
oscilam, hoje, entre uma profunda sensação de impotência (o aumento dos
diagnósticos de depressão não aconteceu sem motivo) e procura por maximização
do desempenho. Os indivíduos não cessam de tentar alcançar a potencia plena ou
gozo ilimitado (como o do pai primevo) que o neoliberalismo promete. O luto
conforma outro modo de lidar com a perda. O trabalho de luto apenas pode se
realizar, contudo, se formos capazes de agir sem medo de perder um objeto que
já, desde sempre, estava perdido. Em outras palavras, o luto está ligado um ato
que acontece sem o amparo de fantasias como a de um pai primevo e sem a
promessa de um gozo ilimitado. Safatle se refere ao luto da idéia de indivíduo
e da promessa neoliberal de gozo; este é, para ele, um luto do impossível.
Vídeo
“Freud, Hobbes e o Destino do Corpo Político”(Conferência do professor Vladimir
Safatle do Departamento de Filosofia da USP no IV Fórum Brasileiro de Pós-Graduação
em Ciência Política sediado pelo Departamento de Ciência Política da UFF)