quarta-feira, 13 de dezembro de 2017



No vídeo, Vladimir Safatle  fala de sua obra Circuito dos Afetos , e investiga desdobramentos de suas idéias acerca de uma ontologia do negativo, a qual sustentou em sua tese de doutorado
O primeiro mostra que cínico é aquele que aprendeu a rir das normas: não importa se estas se realizam de maneira invertida, para o cínico o que realmente interessa é a promessa de gozo  imediato  do  neoliberalismo.  Posteriormente,  Grande Hotel Abismo aprofunda a investigação sobre uma ontologia capaz de exercer uma pressão subtrativa e insiste no potencial produtivo de experiências de indeterminação. Que afetos estão ligados á produtividade do trabalho do negativo. Que afetos permitem a insurgência de uma violência destruidora daquilo que nos faz estagnar em um circuito de repetições intermináveis. Que afetos criam sujeitos? Estas são as perguntas centrais de Circuito dos Afetos .
Para pensá-las, Safatle retorna a Freud, particularmente ao desamparo freudiano. Este é, de fato, um retorno, pois somente após incorporar sua tríade (Hegel, Lacan e Adorno) nosso autor poderia ler Freud tal como, agora, propõe. Diferentemente do medo ou da esperança, o desamparo não estão ligado a projeções de determinados acontecimentos futuros. O desamparo se conecta a situações as quais n‹o somos capazes de atribuir um sentido (ou, como prefere Safatle, atribuir um predicado) ou a experiências que não sabemos como lidar. No desamparo agimos sem saber em que lugar chegará. Mas, mesmo desamparados, agimos. Movemo-nos, pois de algum modo devemos ter sido capazes de perceber que estávamos presos a um circuito de repetições. Estranhamos isso - o desamparo, nestes termos, articula ação do estranhamento ( Das Unheimlich ) freudiano. Nosso autor escreve sobre uma política do impossível, isto é, sobre uma política ligada a um ato que não este mais fundado nas possibilidades que nos são disponibilizadas por uma ordem simbólica.  Trata-se de um ato que só poder adquirir sentido retroativamente.  A partir de textos freudianos, Safatle formula, ainda, um diagnostico acerca da hegemonia de certos afetos em nosso modo de vida: sua leitura de Totem e tabu  expõe a forma atual de um circuito repetitivo de medo e culpa, conexo a um lado social de base melancólica.
Em Totem e tabu ,Freud conta a história de um pai primevo que possuía todas as mulheres e tinha acesso a um gozo ilimitado. Os filhos se unem, matam o pai e, depois disso, comem a sua carne. Ocorre que, desde o início, a relação com o pai era ambivalente: os filhos não só odiavam, também o amavam. Foram, por  isso,  apos
Resenhas o parricídio, tomados por sentimentos de medo e de culpa. O banquete totêmico mostra que, com o assassinato, o pai não fica para trás, ele é introjetado. e desse modo que o supereu freudiano se forma. Poderíamos concluir como fazem alguns, que o parricídio é um marco para a constituição de um lado horizontal entre irmãos. Há quem diga que estaria a’ a base de uma sociedade democrática e igualitária. Safatle mostra, todavia, que não é esta a história narrada em Totem e tabu :
 A morte do pai e sua introjeção melancólica produz um fantasma. Nosso autor escreve que as democracias neoliberais são sociedades de irmãos assombrados pelo fantasma do pai.  Vivemos em tempos de neoliberalismo e de injunção ao gozo, em vez do supereu repressivo da época de Freud, o supereu, hoje, ordena: goze agora! Satisfaça-se imediatamente! Os irmãos se tornaram indivíduos que competem entre si e buscam afirmar sua potencia (querem ser como o pai); são, hoje, empresários de si mesmos. Para pensar a política no tempo presente, devemos então, compreender que o lado entre indivíduos no neoliberalismo se constitui melancolicamente. A centralidade desta idéia fica clara na afirmação ao  gênese do supereu em Freud está alicerçada em uma analítica da melancolia (SAFATLE, 2015: 82) e na passagem que a segue:
É possível dizer que o poder nos melancolia e é dessa forma que ele nos submete. Essa é sua verdadeira violência, muito mais do que os mecanismos clássicos de coerção e dominação pela força, pois trata-se aqui de violência de uma regulação social que leva o Eu a acusar a si mesmo em sua própria vulnerabilidade e a  paralisar sua capacidade de ação
Tanto o luto como a melancolia são processos ligados á perda de um objeto de forte investimento libidinal. Na melancolia, entretanto, o trabalho de elaboração não se realiza por completo. O objeto não é deixado para trás, ele permanece de um modo bastante peculiar: é introjetado, ou seja, é ligado ao eu. Dessa maneira, afetos como raiva e ressentimento por ter sido abandonado pelo objeto amado se voltam contra o próprio sujeito. Na melancolia há um movimento pendular entre, de um lado, auto-acusações e sentimento de impotência e, de outro, afirmações obstinadas da potencia. Não é por acaso que indivíduos, empresários de si, oscilam, hoje, entre uma profunda sensação de impotência (o aumento dos diagnósticos de depressão não aconteceu sem motivo) e procura por maximização do desempenho. Os indivíduos não cessam de tentar alcançar a potencia plena ou gozo ilimitado (como o do pai primevo) que o neoliberalismo promete. O luto conforma outro modo de lidar com a perda. O trabalho de luto apenas pode se realizar, contudo, se formos capazes de agir sem medo de perder um objeto que já, desde sempre, estava perdido. Em outras palavras, o luto está ligado um ato que acontece sem o amparo de fantasias como a de um pai primevo e sem a promessa de um gozo ilimitado. Safatle se refere ao luto da idéia de indivíduo e da promessa neoliberal de gozo; este é, para ele, um luto do impossível. 
Vídeo “Freud, Hobbes e o Destino do Corpo Político”(Conferência do professor Vladimir Safatle do Departamento de Filosofia da USP no IV Fórum Brasileiro de Pós-Graduação em Ciência Política sediado pelo Departamento de Ciência Política da UFF)

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