FREUD
NA CONSIDERAÇÃO DO PRAZER COMO FUNDAMENTO DA VIDA
PASSIONAL
RESUMO
O reconhecimento da perseverança com
que Freud relacionou o funcionamento psíquico ao mecanismo do
prazer, que tem como propósito a inclinação para a fuga da dor, em
outras palavras, para atingir a meta de evitar o desprazer. Por conta
disso, a busca por resultados de uma investigação relativa à uma
possível matriz filosófica que teria dado sustentação a tal
concepção, criando suas condições de possibilidade. Freud coloca
em perspectiva histórica o campo teórico em que a própria noção
de prazer recebeu desenvolvimentos na modernidade, assim como
Hobbes, Locke e Condillac, com a expectativa de que nos permita
adicionalmente reconhecer o estatuto particular que essa noção
recebeu de Freud.
Palavras–chave: Modernidade,
Psicanálise, Estímulo, Prazer, Desprazer.
ABSTRACT
This
article was motivated by the recognition of the perseverance with
which Freud related the psychic operation to the mechanism of
pleasure, which has as purpose the inclination to the escape of pain,
in other words, to achieve the goal of preventing the displeasure.
Because of it, our purpose is to present the results of an
investigation related to the possible philosophical matrice that
would give support to such conception, creating its conditions of
possibility. We did this by putting in historical perspective the
theoretical field where the own notion of pleasure received
developments in the modernity, visiting authors as Hobbes, Locke and
Condillac, with the expectation that we can additionally recognise
the particular statute that this notion received from Freud.
Keywords:
Modernity, Psychoanalysis, Stimulation, Pleasure, Displeasure.
INTRODUÇÃO
O comportamento humano deve ser
explicado em termos das novas ciências; o conhecimento baseia-se na
sensação e é modificado depois, segundo princípios mecânicos.
Mas, o que é a sensação? Quais são estes princípios mecânicos?
Hobbes (1979), apoiado em Freud, conclui que
para entender a natureza humana só é possível com a fragmentação
mecânica dos elementos que irão compor a paixão e a compreensão
da sociedade civil. Se a engrenagem de um relógio faz com que seja
possível seu funcionamento, então, segundo Hobbes, existe uma
engrenagem que irá compor o funcionamento das paixões. Portanto, as
paixões são o desencadear de um mecanismo humano que envolve
desejo, prazer, imaginação e sensação. Todos estes proporcionam
movimentos voluntários que direcionam o homem, como ser, a
empreender sua interação com o ambiente e os semelhantes.
A
sensação é a primeira engrenagem na mecânica do desejo. Ela é
estimulada pelo corpo exterior que captado pelos sentidos humanos
(tato, paladar, olfato visão e audição) leva ao cérebro e coração
uma impressão que resulta num esforço em definir ou transmitir o
que chamamos de sensação. A partir desta engrenagem surge outra
definida como imaginação, que se encontra nos homens como um efeito
qualitativo do movimento. Para Hobbes (1979), na ordem cronológica,
a imaginação sucede à sensação. Em sua obra, LEVIATÃ, ele
afirma que há nos animais dois tipos de movimentos que lhes são
peculiares. Um deles chama-se "movimento vital" que são a
circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a
nutrição, a excreção, etc. O outro chama-se "movimento
voluntário": como andar, falar, mover qualquer dos membros, da
maneira como anteriormente foi imaginada pela mente. Sendo assim,
começa a explicitar o sentido em que a imaginação pode ser
considerada a primeira origem interna dos movimentos voluntários,
articulando, assim, a potência do movimento à potência cognitiva
ou imaginativa. Ele deixa claro que a imaginação nada mais seria do
que um resíduo da sensação, já que o objeto-causa da sensação
não precisa estar presente. A imaginação diz respeito apenas
àquelas coisas que foram anteriormente percebidas pela sensação.
Falar e andar, exigem sempre um pensamento anterior (uma sensação
como matéria-prima), memorizada, que permite projetar o movimento,
antecipá-lo em imagem. Muita memória, ou a memória de muitas
coisas, chama-se experiência. A experiência permite ao homem
formatar mentalmente os desejos por objetos que não estão
presentes. Exemplificando, podemos destacar o seguinte:
Exemplo
1: "imagine, um limão suculento, respingado de gotas de água
em sua casca verde escura, você o põe sobre a mesa e o divide com
um objeto cortante. Toma para si uma das partes e degusta
pressionado-a ao ar em direção a sua boca sentindo o gosto dosado
pelas pequenas gotas que lhe caem em contato com as papilas
gustativas." Se você salivou, demonstra que conhece o fruto e
sua experiência relacionou a imaginação à sensação trazendo
assim ao mecanismo do corpo o prazer ou desprazer pelo objeto
conhecido .
Exemplo 2: "imagine, uma pupunha suculenta que acaba de
ser retirada da árvore. Você a divide em duas partes com um objeto
cortante e degusta uma das partes pressionando-a ao ar em direção a
sua boca, sentindo o gosto dosado pelas pequenas gotas que lhe caem
em contato com as papilas gustativas." Se você nunca foi ao
estado do Pará, talvez não conheça o fruto e não tenha ideia do
sabor, logo, não relaciona imaginação à sensação e por fim não
haverá resposta de prazer ou desprazer pelo objeto desconhecido.
.
Entendendo a
imaginação também como um movimento interno, é preciso destacar
que Hobbes define imaginação e a memória como sendo uma e a mesma
coisa, que, por razões várias, tem nomes diferentes
.
O mundo a nossa volta proporciona estímulos que
irão interferir diretamente em nossos movimentos vitais. Todo
estímulo considerado benéfico ao movimento vital produz nos órgãos
dos sentidos uma sensação que pode ser chamada de deleite ou
prazer. Por outro lado, fica evidente que todo estímulo que provoca
o enfraquecimento do movimento vital, provoca sensação de desprazer
ou dor. Nessa perspectiva, Hobbes desloca o amor para a condição de
uma paixão positiva derivada de um desejo bem sucedido por um objeto
causador de deleite. Assim, o desejo e o amor se avizinham mediados
pelo prazer, apenas distinguindo-se pela ausência do objeto, no
desejo e pela presença, no amor. Ocorre o mesmo para a aversão e o
ódio, mediados pelo desprazer.
O desejo enquanto movimento,
portanto, pode ser conceituado como um dado primário de acionamento
da vida passional e da máquina mental, o que só foi possível
porque seu mecanicismo impôs-lhe a noção de que um movimento
reativo em face de um estímulo, sendo desejo ou aversão, não pode
ser evitado ou abandonado no campo de forças que é a natureza.
Assim, prazer e desprazer, bem como o amor e o ódio, surgem
efetivamente como resultado desse esforço reativo, quando bem ou mal
sucedido, respectivamente. Definimos, então, a aversão como recusa
dos objetos hostis e o desejo como a busca de objetos úteis, os
quais são filtrados pela necessidade de conservação da vida ou dos
movimentos vitais. .
As ideias de
prazer e dor são as causas de nossas ações. Principalmente as que
visam promover a fuga da dor. Dessa forma, o par prazer e desprazer
colocam-se como fundamental para o funcionamento dos pensamentos e
ações, com a diferença de que o desprazer ou dor predomina em
relação ao prazer ou deleite. Contudo, a importância é sempre
atribuída ao par, já que possibilitam, pela memória e pela
imaginação, evitar experiências e objetos causadores de desprazer,
proporcionando prazer adicional a conservação do organismo. Estas
ações consideradas pelas faculdades mentais, como imaginação,
memória, juízo, são consideradas, por Condillac (1993), inatas.
Ele afirma que a mente é capaz de conhecer, porém, em relação a
essa operação, a capacidade é inata, mas o conhecimento é
adquirido. Afirma ainda que, não há nenhum conteúdo ou faculdade
do espírito que não seja constituído a partir de uma sensação,
isto é, que não tenha sua origem nela. Ele acredita que os juízos
se mesclam a todas as nossas sensações; e que nos é necessário
aprender a tocar, a ver, a ouvir, a sentir, pois assim, as faculdades
da alma têm sua origem na própria sensação, não sendo inatas.
O
desejo, então, baseia-se como ação do prazer, que prefigura a
apropriação de tudo o que é necessário para a conservação da
vida e apropriação de conhecimentos. No entanto, a aversão
desempenhará papel complementar, já que o desprazer que a acompanha
decorre da ameaça à conservação da vida. Portanto, a natureza
humana relativa ao hedonismo - que considera o prazer como a essência
da felicidade ou que exalta o prazer como suprema norma moral,
considera o prazer e a dor como os únicos critérios para a
avaliação de uma dada ação. As ações de prazer ou desprazer,
inerentes a natureza humana, recebem a incumbência de gerar a
maquinaria mental e a fazê-la funcionar num percurso que vai numa
solução de continuidade de dado elementar da impressão sensível
às mais complexas operações do espírito.
A proposta
freudiana considerava os seres humanos como objetos naturais
submetidos a causas e leis naturais. Nessa perspectiva é que ele
enfrentou o desafio da articulação entre corpo e mente, apoiado na
ciência natural e na teoria das paixões, ambas prevalecentes em sua
época. Baseou seu estudo no pressuposto da lei da inércia, que
diferencia atividade de repouso, o que demandou de início um enfoque
de natureza quantitativa (ciência natural), recebendo uma abordagem
complementar qualitativa (teoria das paixões), que acompanhou suas
considerações acerca do fenômeno da consciência. Assim, aponta
para a peculiaridade da noção de prazer considerando que o ser
humano é dotado de um sistema nervoso cuja arquitetura seria
organizada em torno da função de manter a variação de estímulos
recebidos igual ou próxima de zero.
Inicialmente, Freud,
considerava o sistema nervoso apenas como um conjunto de neurônios,
porém, a diversidade de fontes de excitação ou estímulos acabou
sendo a responsável pela constituição plena do que ele chamou
nessa obra de aparelho neurológico, bem como de suas funções, como
percepção, memória e consciência. Freud não faz referência
somente aos estímulos externos. Ele afirma que o sistema nervoso
recebe estímulos do próprio elemento corporal, internamente, da
ordem da fome, respiração e sexualidade, operando de uma maneira
que não permite esquiva ou eliminação pela ação reflexo motora.
.
Por isso o sistema nervoso passa a
promover o armazenamento de parte desse estímulo, e assim
administrá-lo de modo a ser utilizado para provocar alterações que
atendam às suas demanda.
;
A partir daí, a atuação
do princípio do prazer passa a ser a eliminação do excesso
excitação, atendendo à exigência de impedir que qualquer estímulo
externo danifique o sistema enquanto conserva uma pequena porção
dele, mantendo seu nível constante.
Considerações finais
Conclui-se,
portanto, em Freud, que o ponto de vista quantitativo ou ciência
natural não se desvincula do qualitativo ou teoria das paixões, que
leva em conta a constituição das funções mentais ou psíquicas,
das motivações das nossas ações, dos motivos para preferir ou
ordenar uma cadeia de idéias ou ação a outra. Sem o fator
qualitativo nossos pensamentos se movimentariam desgovernados sem
direção ou objetivo. Identifica-se, na particularidade da noção
de prazer concebido por Freud, a possibilidade de pensar o desprazer,
e mesmo a dor, como fatores que põem tanto corpo como a mente em
movimento, posto que estimulam o sistema ao cumprimento de sua
inclinação primária já que a dor resulta de um aumento
quantitativo excessivo. Portanto, prazer e desprazer estariam sempre
referidos à ocupação do sistema com enfoque das paixões na
constituição mental. Sendo assim, sua teoria demonstra a clara
noção de que o prazer estaria relacionado à descarga da excitação
ou das quantidades excessivas
Referências bibliográficas:
BOCCA, Francisco Verardi. Prazer,
Psicanálise. Nat. hum., São Paulo , v. 11, n.
1, p.
101-128, jun. 2009 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org /scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302009000100005&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em 28 fev. 2018.
CONDILLAC, E. B.
1993: Tratado das sensações. Campinas, Ed. Unicamp.
HOBBES,
T. 1979: Leviathan. S. P., Abril Cultural.
SANTOS.Renato
dos.O
prazer como fundamento da vida passional
–ES.
2014. Disponível
em<http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_57661/artigo_sobre_o-prazer-como-fundamento-da-vida-passional---freud>
Acesso em 28/02/2018